Para isso serverm os irmãos!

Quando eu era pequena, nós morávamos longe da cidade e meus pais chamaram uma empresa para cavar um poço artesiano na nossa casa. Todo dia a máquina tirava do buraco uma terra argilosa, depositando-a ao lado. Em pouco tempo, ali tinha uma montanha de argila.

Naquela época eu gostava de subir em cima da casa, que tinha telha de barro, e da lavanderia, que era de eternit. Certa vez, eu estava em cima da lavanderia, quando meu irmão atirou em mim uma generosa bola de lama. Eu esquivei e ele logo mandou outra. Foi bem divertido ficar fugindo das consecutivas bolas de lama, até que pisei de mal jeito e a telha quebrou. Me estatelei no chão, lá embaixo!

Foi uma choradeira, mas, por sorte, não me machuquei. Meu irmão falou pra eu correr e me esconder dentro de um anel de poço (pra quem não sabe, é isso aqui: link, tem 1,20 de diâmetro), e enquanto isso ele escondeu as telhas quebradas. Será que a gente pensou que nossa mãe não ia perceber o ROMBO no telhado da lavanderia??

Não sei porque, mas naquele dia não apanhamos. Nem tomamos bronca, nem nada. Acho que a queda já tinha sido uma punição suficiente pra ficar pulando em cima de telhado! Garanto que eu nunca mais fiz isso.

Conto: Torrente

Torrente

(por Karen Soarele)

Cenário de guerra. É assim que os jornais descrevem nossa cidade. Muros caídos, casas arrasadas, pontes em ruínas. À minha direita, uma árvore na posição horizontal exibe suas raízes recém-arrancadas da terra pela chuva violenta. O córrego corre furioso. Suas águas, muito mais altas do que de costume, exibem coloração marrom e retratam os desastres da noite anterior. Pedaços de lixo flutuante são arrastados ao bel-prazer da correnteza, e logo somem de vista.

O trânsito é caos, sempre é. Semáforos não funcionam e leis não mais existem. Um carro desvia de um buraco e cai numa poça, jorrando água para o alto e encharcando um pedestre, mas não se importa. Todos estão confusos, preocupados. Tentam garantir a segurança de sua família e bens, as suas coisas.

Mas eis que, no meio do caos, heróis surgem. Ouve-se o assovio de um apito, e todos os carros param. É um agente de trânsito. Um ser humano como você e como eu, cuja função é cuidar da segurança de todos, e todos respeitam esta função e obedecem às suas ordens. Ao som do apito, motoristas param e prosseguem, e o trânsito torna-se harmonioso. Jamais se inventará um semáforo automático tão bom quanto um ser humano.

Em uma região menos flagelada da cidade, o sinal vermelho impede que alguns carros se movimentem, enquanto outros cruzam seu caminho. Novamente, um som deixa todos em alerta, é o som de uma sirene. Os motoristas ouvem, param, identificam de que direção a ambulância vem e tomam providências.

Aqueles que estão cruzando ignoram o sinal verde e se atêm de prosseguir. Aqueles que estão parados, ignoram o sinal vermelho e cruzam, afastando-se para a lateral da rua, a fim de abrir passagem. Alguém pode estar morrendo naquela ambulância, não podemos atrapalhar!

Em meio à desorganização, instintivamente as pessoas se organizam e confiam naqueles que não querem nada senão ajudar. Mesmo em meio ao caos, à destruição e às dificuldades, a ajuda surge e as pessoas colaboram. Isso faz eu me lembrar que, apesar de tudo, ainda vivemos em sociedade, e que, amanhã, o Sol vai raiar.

Relatos de Casamento


Texto inicialmente publicado no meu antigo blog, em 13 de julho de 2009


Domingo fui ao casamento do primo do Luís, o Diego. Nunca vi um noivo chorar tanto… mas eu competi com ele pela taça de chorão da festa! Estava muito emotiva…

Quando eu conheci o Diego, se naquele momento alguém me dissesse que três anos depois eu presenciaria seu casamento, eu não acreditaria. Não que ele seja feio ou mulherengo, longe disso! Mas ele sempre pareceu brincalhão demais, exigente demais e impaciente demais com os assuntos femininos…

Pois nos últimos meses ele demonstrou… ser tudo isso que parecia! A grande diferença é que ao lado dele estava a Júlia, que era exatamente igual e ao mesmo tempo completamente diferente. Os dois combinavam certinho! E juntos organizaram uma casa e um casamento.

Foi na entrada da igreja que minha mente viajou para além daquele casamento onde eu estava, englobando todos os demais. Chegou um carro bonito, com vidro fumê e apenas uma fresta da
O noivo sabia que ela estava ali, mas que não poderia vê-la. Tão perto e ao mesmo tempo tão distante.
janela aberta, para ver o motorista. Ali dentro estava a noiva.

O noivo sabia que ela estava ali, mas que não poderia vê-la. Tão perto e ao mesmo tempo tão distante. O nervosismo aumentando a cada minuto. Puxa, é meu casamento… nem acredito! Ao mesmo tempo, a noiva, dentro do carro, vê seu amado ao lado de fora e aguarda ansiosamente pelo momento de ter seu olhar correspondido. O nervosismo aumentando a cada minuto.

Deve ser frustrante, para um casal que passou tanto tempo junto, de repente ser separado! Não há paciência que faça o tempo parecer menor. A espera… a entrada do noivo, dos pais e dos padrinhos… e finalmente da noiva! Um lento caminhar que parece não ter fim. Tem que ir devagar como no ensaio, para os fotógrafos terem tempo de fazer seu trabalho…

Então chega o momento em que os noivos se dão as mãos novamente. Mágico! Daqui pra frente estamos juntos e será mais fácil. Apesar da ansiedade, não há medo. Afinal estamos juntos como sempre estivemos, e como sempre queremos estar! Inabaláveis. É assim que queremos ficar para o resto de nossas vidas e é por isso que estamos aqui.

O resto todo mundo já sabe, é feita a maior declaração que qualquer pessoa é capaz de fazer e todo mundo comemora. Mas eu continuei chorando. Emoção? Stress? Imaginação fértil? TPM? Uma mistura disso tudo? A verdade é que fiquei muito feliz pelos dois! Desejo-lhes uma vida cheia de alegria!!

Estes são os relatos de uma jovem mulher que não tem relatos para contar. Ainda!

Angélica

Angélica

(por Karen Soarele)

Parte 1

Ela passou por mim, e eu quis saber quem era. Quem era a responsável por aquele instante infinito, aquela palpitação inesperada. Era um andar de mulher com a leveza de uma criança. Devia ser esperta, decidida, pequena e leve. Seu ritmo expressava preocupação. Seu movimento gerou uma leve brisa, que trouxe um perfume fresco e energizante.

Passou por mim como um furacão, levando embora tudo o que eu pensava, sentia, sonhava. Ficou apenas a lembrança. Esperança, dúvida, ansiedade, silêncio. E eu apenas queria saber: Quem era?

– A Angélica? Ela não é lá aquelas coisas…

Apesar da resposta rude do meu colega, não desanimei. O que importava para ele certamente não importava para mim. Eu queria saber mais sobre a autora daqueles passos firmes e delicados. Élficos. Enigmáticos.

Angélica…

***

Parte 2

Passei a prestar atenção nela. Eu sempre sabia quando ela ia entrar na sala, muito antes dos demais. Podia ouvir seus passos no corredor. Mesmo que estivessem misturados aos passos de uma multidão, eu os reconhecia. Ela podia estar calma, alegre, nervosa ou apressada, não importava. Nem sua emoção conseguia disfarçar seus passos de mim.

Me aproximei aos poucos. No início tive que encarar o silêncio absoluto de quem se sente incomodado, mas com o tempo conquistei sua confiança.

E esperei o momento certo.

Esperei.

Esperei a hora perfeita.

A hora perfeita para colocá-la contra a parede, e dizer-lhe tudo o que eu queria, do jeito que eu queria e nas condições que eu queria. Não disse tudo o que eu sentia, certamente, pois iria assustá-la, mas disse tudo o que eu queria.

Então senti o ruborizar da pele quente de seu rosto. Apesar de não tocá-lo, eu podia sentir. Seu coração batia acelerado, e eu não precisava vê-la para saber para onde ela olhava. Olhava diretamente nos meus olhos, apesar de estar tímida. A reação que eu pedia.

Era uma mistura de medo, timidez e ansiedade em experimentar algo novo. E eu não hesitei. Fiz o que tinha de fazer. Toquei seus lábios com os meus, pela primeira vez.

***

Parte 3

O tempo passou, e ela permitiu que eu me aproximasse ainda mais. Após um lento início, ela abriu seu coração, e passou a depender de mim, e eu dela.

Ela não sabia, mas eu sabia me virar sozinho. Mas jamais diria isso a ela. Gostava que ela me ajudasse em tudo o que eu fazia. Sempre prestativa e proativa, orgulhava-se disso.

E o tempo passou.

E passou mais um pouco.

Nossas vidas seguiam um rumo único, e éramos felizes. Ela se tornou uma grande mulher, como tinha de ser. Eu fiz o que era possível para acompanhá-la em cada passo, e ela valorizava isso.

Até que cheguei ao ponto mais marcante de minha vida. Aquele que mudaria tudo. Aquele que me fez dividir minha vida em antes e depois. Havia muito tempo que eu não pensava nessa possibilidade, e quando ela bateu à minha porta, me senti ansioso e indefeso.

Mas ela estava lá, minha amada Angélica. Pronta para ser útil, pronta para me ajudar em tudo o que eu precisasse. Mais uma vez senti, com emoção, seus passos ao meu lado. Sempre contraditórios, eles se dividiam em decididos e vacilantes. Mas ela segurava minha mão, como se tentasse me passar toda a coragem de que dispunha, enquanto minha maca era guiada por mãos e passos mecânicos e sem emoção alguma.

Até que uma porta nos separou, e em seguida adormeci.

.

Sono sem sonhos. Foi como se eu tivesse apenas mudado o canal da TV. Após um segundo de silêncio, já havia me teleportado para um canal completamente diferente. Estava novamente na cama. Inconscientemente mexi os dedos, e foi suficiente para ouvir ao meu lado um pulo de alegria. Era ela. Eu não sabia há quanto tempo me esperava, mas não ousei perguntar.

Desenrolei a venda. E tive a experiência mais extraordinária de toda minha vida. Olhei em volta, para aquele ambiente claro. Olhei para ela. Angélica. Pessoa maravilhosa, companheira para todos os momentos. Agora eu sabia: Ela era também a mulher mais linda, maravilhosa, perfeita… que eu já tinha visto em toda a minha vida.

E com certeza eu jamais veria cena mais emocionante, mais bonita, do que aquela sua expressão que misturava alegria e preocupação, e seus olhos azuis fixos nos meus.

Nos abraçamos forte, e choramos lágrimas confusas. Lágrimas de alívio, alegria, emoção.

Mas sobretudo, lágrimas de amor.

*

Agora que você terminou de ler, me diga:
O que você entendeu deste meu conto?